Blink-182: Dammit, All the Small Things, What’s My Age Again, The First Date, Always... espera: talvez você os reconheça como aqueles que cantam “♫ Na na na ♪”.
Quem nunca ouviu um trecho desses clássicos daqueles que já foram chamados de “os reis do pop-punk” que atire a primeira pedra. Os reis do “Na na na” estouraram na mídia com o clipe All The Small Things — embora eu ache que o CD anterior Dude Ranch, contendo Dammit e Josie já fosse motivo pra estouro — onde imitam (sarcasticamente) os idolatrados lindos maravilhosos gostosos rapazes do Backstreet Boys e 98 Degrees.
Enfim, mas o que Blink-182 e a Psicomusicalidade do Puer tem a ver?
Puer Aeternus é uma expressão latina que pode ser traduzida didaticamente como o Eterno Adolescente. Carl Gustav Jung, psiquiatra suíço e pai da Psicologia Analítica (Junguiana) se apropria da expressão Puer Aerternus para dar nome a um arquétipo que contempla características de um Puer (Puella para as mulheres).
Como Jung atribuiu essa expressão a um arquétipo, — uma possibilidade, herdada por todos nós seres humanos, de gerar um comportamento dentre infinitas possibilidades dentro de uma “forma” — temos que ter em mente que todo arquétipo possui polos e opera dentre as possibilidades que estão entre essas polaridades: uma positiva e outra negativa, imaginando que entre um polo e outro hajam múltiplas intensidades e gradações de comportamento, como num degradê.
No pólo positivo, o Puer é dotado de grande energia criativa, vislumbra o novo, pujante, se joga em novidades, é a esperança de renovação (Jung chamou também de "A Criança Divina"). Do lado negativo, temos aquele Puer filhinho da mamãe, com medo de crescer e encarar os desafios da vida, passivo, não se compromete, não se aprofunda e percebe os outros como monótonos — o adolescente onipotente/arrogante, conhece? — , desprezando a rotina, o planejamento e subestimando a virtude da paciência (esta última sendo um atributo positivo de um outro arquétipo: o Senex, o velho, o “responsável”, representado por Cronos, o deus do tempo na mitologia grega).
O arquétipo impulsiona e direciona o comportamento. Imaginando o arquétipo do Puer Aeternus como dominante em uma pessoa, ela tenderá a seguir sua vida segundo esses comportamentos típicos do Puer, sejam eles positivos ou negativos. Uma vez que os arquétipos se manifestam também nas mais diversas produções artísticas, podemos identificá-los nas mesmas.
Longe de fazer uma análise dos integrantes da banda, podemos identificar traços do Puer nas músicas do Blink-182 — com a ressalva de que a Persona, a máscara social com que se apresentam é nitidamente Puer: brincadeira a todo momento, tiração de sarro uns dos outros, vestimenta teen da época etc. Como é uma banda com a qual eu tenho uma razoável familiaridade (influenciou em parte a construção da minha musicalidade), não foi muito difícil fazer o link.
De volta à música: se pararmos para analisar a musicalidade do Blink-182, notaremos que as linhas de guitarra e baixo, embora sejam musicalmente simples — às vezes até demais, porém catchy (cativante, prazeroso e fácil de lembrar) — , requerem uma boa dose de “drive”, de pegada, para serem executadas assim como nos são apresentadas. Um exemplo: tocar uma música com um elevado bpm (batidas por minuto) com palhetadas na guitarra somente para baixo, equilibrando precisão e agitação do corpo durante um show, vai além da performance estética: gera drive, gera pegada tanto para quem executa como para quem ouve e vê. Diferente de tocar com palhetadas alternadas (pra cima e para baixo), você não chegará nem próximo de uma musicalidade apresentada com todas a palhetadas para baixo (faça o teste).
Qualquer musicista mediana/o observa a simplicidade das notas, sequências e riffs, tendendo a subestimá-los do ponto de vista teórico musical e até poético. Porém, é difícil que essa/e mesma/o musicista consiga reproduzir uma pegada musical minimamente próxima do drive original, caso ela/ele não esteja familiarizado ou conectado com a alma da música Nota: podemos observar este fenômeno em qualquer musicista que não está familiarizado com o estilo que executa: sensação de que lhe falta algo, mesmo que tecnicamente pareça que não. Este algo, eu diria que é o que alguns musicistas chamam de feeling/groove/swing, podendo ser traduzido como “conexão/pegada”. Nesse sentindo, a construção musical se torna potente: com poucas notas no âmbito das cordas — na bateria é outra história — , mas compensada pela boa dose de “pegada”, a musicalidade deles tende a transmitir vigor, jovialidade, energia e drive suficiente pra impulsionar o estado de espírito de quem ouve*.
*Nota:Um detalhe importante aqui: quando nos deparamos com uma música ou qualquer outra obra de arte, é importante pontuar que nem todos temos a mesma percepção sobre o objeto, então relato minha experiência pessoal e coletiva junto com a de pessoas que eu conheço que gostam da musicalidade que eles fazem.
Enfim, é uma psicomusicalidade mais “adolescente” no sentido de que é jovial, rebelde e catchy ao mesmo tempo, com generosas doses de drive (pegada).
Voltando ao Puer: assim como qualquer outro arquétipo, ele traz consigo essa ambiguidade. Um lado promete o eterno, promete o impossível, promete o irrealizável, idealiza o não-idealizável, sonha alto. E assim, muitos de um lado ficam fascinados e excitados com sua criatividade e com a esperança de que as (im)possibilidades declaradas venham a ocorrer, munindo-lhes do entusiasmo que o Puer carrega e, por outro lado, outros torcem o nariz para aquelas absurdas idealizações e romantismos que estão muito longe da realidade — a não ser num plano metafísico. Sustentando essa ambivalência, o Puer atua no discurso do Sempre (Always, Forever) e Nunca (Never), ambos extremos de incertezas que a vida não pode garantir o parto, porém, sedutores em suas propostas.
Selecionei algumas letras de músicas do Blink-182 como exemplo:
“C’mon let me hold you, touch you, feel you, always.”
(Tom DeLonge, Always - Blink-182)
“Vamos lá, deixe-me abraça-la, tocá-la, senti-la, sempre.”
“I never want to act my age
(Mark Hoppus, What's My Age Again - Blink-182)
What's my age again, what's my age again?”
“Eu nunca quero agir conforme minha idade
Qual é a minha idade mesmo? Qual é a minha idade mesmo?”
“Lets go! Don't wait! this night's almost over
(Tom DeLonge, First Date - Blink-182)
Honest, let's make this night last forever
Forever and ever, let's make this last forever
Forever and ever, let's make this last forever”
“Vamos lá! Não espere! Essa noite está quase acabando
Honestamente, vamos fazer essa noite durar para sempre
Para todo e sempre, vamos fazer isso durar pra sempre
Para todo e sempre, vamos fazer isso durar pra sempre”
Lá fora, dizem que eles são “catchy”, em tradução livre seria algo cativante, prazeroso e fácil de lembrar (como falei há alguns parágrafos atrás). Esse é mais um dos aspectos do Puer: atraente, cativante, fascinante, envolvente. Catchy não só na postura apresentada nos shows e vídeos, nas letras compostas por eles como também na sua musicalidade: riffs, batidas, intervalos, quebras, sequências sonoras, melodia, harmonia. É catchy: empolga, é fácil de lembrar, é prazeroso. Pegou?
O Puer negativo é aquele que não quer crescer porque é gostoso ficar na posição que ele ocupa: energia irradiante, rápida satisfação, aversão ao trabalho e por aí a banda toca. Em termos mais práticos: ele não quer — e tem dificuldade pra isso — encarar o que Freud chamou de princípio da realidade: trabalhar, fazer reunião, planejar, ganhar o pão, pagar os boletos.
“Isso me faz querer nunca crescer.” (Veja aí um exemplo de manifestação do Puer no discurso.)
Fala de um dos adolescentes ao ouvir uma música do Blink-182 no vídeo “O Blink-182 reage aos adolescentes reagirem ao Blink-182” – Vídeo no Youtube.
No final, entendo que essa relação que faço entre uma Psicomusicalidade do Puer e o Blink-182 acaba por ser um recorte da musicalidade total da banda — Jung diria que é impossível encontrar uma personalidade pura em seus traços, ou seja, há sempre uma mistura borbulhante de elementos psíquicos e isso se aplica às bandas também — e, ao mesmo tempo, considero também um recorte sobre o que os fez ficarem conhecidos no mainstream. Existem outras músicas e álbuns que mostram outras facetas do Blink-182, mas essa história a gente deixa pra outro dia.
Se você gostou (ou não), deixe um like, um comentário, uma crítica. Um abraço e até a próxima,
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