Para ser grande, sê inteiro: nada
"Para ser grande, sê inteiro: nada Teu exagera ou exclui. Sê todo em cada coisa. Põe quanto és No mínimo que fazes. Assim em cada lago a lua toda Brilha, porque alta vive."
Neste poema, Ricardo Reis, um dos heterônimos de Fernando Pessoa, nos presenteia com algumas valiosíssimas recomendações para a vida. Estamos diante de uma Ode à totalidade.
Nada exagera, ou seja, evitar a unilateralidade, a concentração unânime em um pólo que pode ser representado de múltiplas formas e vivências: aquela ideia cujo meu achismo a toma como verdade absoluta; aquela relutância em admitir os múltiplos pontos de vista; aquela pessoa exageradamente rígida e objetiva; aquela pessoa exageradamente carinhosa e subjetiva etc. Imagino que uma nota necessária aqui é a distinção entre viver com exagero e viver com intensidade: posso ser intenso em vivenciar as experiências que me ocorrem e não possuir exagero ou vício algum no meu modo de vida. Por outro lado, posso consumir exageradamente as coisas e não apresentar intensidade alguma no meu relacionamento com elas.
Nada exclui, ou seja, prepare-se para encontrar o si mesmo e tudo aquilo que o si mesmo implica, pois o conteúdo excluído se alimenta daquela energia inconsciente e cresce igualmente inconscientemente dentro de nós."Sê todo em cada coisa. Põe quanto és No mínimo que fazes."
Existem atividades que gostamos e sabemos fazer; que não gostamos e também sabemos; que gostamos e não sabemos; e que não gostamos e não sabemos. O quão somos inteiros quando realizamos alguma atividade?
O quão presente estamos no aqui e agora?
Mais uma pergunta: você mergulha na atividade, investe a sua inteireza e não demonstra o mínimo de remorso de não ter tentado mais porque você sabe que fez o seu melhor ou você investe um “eu parcial” que gera um resultado “meia-boca” e arrependimento de não ter feito mais? Desde uma simples ação como atender um interfone até tomar uma decisão que impacte em milhares de vidas, você se dispõe do seu eu integral? Essencial (e difícil) de se aplicar em cada atividade que realizamos, não é mesmo? Novamente cuidado com o exagerar, pois na ânsia de se tentar em “ser todo em cada coisa” e não excluir nada, corre-se o grande risco de cair nas garras do perfeccionismo crônico. Aí nos lembramos que vivenciar a perfeição é diferente de vivenciar a totalidade: o perfeito exclui muitos traços, a totalidade os integra.
"Assim em cada lago a lua toda Brilha, porque alta vive."
Que imagem! A lua, por mais distante que esteja, projeta seu brilho prateado e se torna vista por todos.
Percebemos que Ricardo Reis trabalha com uma ideia de questionamento e análise da própria personalidade em sua proposta. Para não exagerarmos e não excluirmos, convenhamos que é necessário autoconhecimento. Então, antes de qualquer coisa, Ricardo Reis sugere implicitamente que nos conheçamos a priori e, aí sim, apliquemos tais movimentos reguladores. Enfim, cada verso não deve ser vivido isoladamente. A obra-prima desta ode de Ricardo Reis está na convivência e coexistência de cada verso, onde um está conectado ao outro como uma grande teia chamada totalidade.
Espero que esse texto contribua de alguma forma para a sua vida. Um abraço e até a próxima, Julio C. N. Ito Psicólogo Clínico (CRP 06/130191) — Você já se (re)visitou hoje? (Foto por Julio Ito) Referências Domínio Público, Fernando Pessoa, Poemas de Ricardo Reis. Disponível em: <http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/jp000005.pdf>. Acesso em 26 de maio de 2017.
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