Expectativas são naturais. Expectativas em relação aos outros podem, além de naturais, ser narcísicas no sentido de que eu espero que o outro tome determinada atitude, responda como eu desejo - como se eu tivesse total controle sobre a situação. O que me inspirou a escrever este texto foi uma conversa com um colega que coincidiu com um discurso que ouvi no consultório no mesmo dia. Um exemplo prático:
Em meio ao trânsito, "faço uma gentileza" e concedo passagem para um motorista que se encontra na rua adjacente ao cruzamento em que estou. Ele então acelera o seu possante com a calma de um monge budista em estado de nirvana. É como se o carro flutuasse em cima de uma nuvem que não demonstra pressa alguma em passar em meio ao apocalipse terreno. Eu, impulsivamente, sou tomado por uma avassaladora ira e o xingo aos quatro ventos.
Nesse caso, parece que a minha aparente necessidade de fazer uma gentileza era na verdade uma exigência que implicava em satisfazer apenas os meus desejos, não? Como assim?
Era uma exigência (controle) ou uma necessidade?
James Hillman uma vez disse que "a exigência requer satisfação enquanto a necessidade requer expressão". Ora, se fosse genuína a minha necessidade de fazer uma gentileza, eu pouco me importaria se o motorista daquele carro me agradeceria ou não, passaria rápido ou devagar, piscaria os faróis em agradecimento ou não etc. Pouco me importaria qual o resultado desta minha ação de conceder passagem, pois a motivação (aquilo que nos move interiormente a fazer algo) pela gentileza teria sido expressa e então a necessidade encontraria satisfação.
Diferentemente de quando eu tomo atitudes esperando (de expectativa) que o outro me agradeça ou "ao menos ande com a velocidade que eu julgo ser adequada" (repare que são ações do outro que são esperadas pelo meu ponto de vista). Quantas vezes já nos pegamos reclamando para alguém ou pensando em coisas como: "Mas fulano poderia no mínimo ter acenado, dado um sorriso, não? É muita falta de educação! Onde já se viu?!". Poderia, mas não foi o que aconteceu.
Nesse caso, parece que foi uma pessoinha dentro de mim que agiu: Narciso?
Não seria narcísico demais da minha parte se eu sempre fizesse as coisas esperando receber do outro respostas e atitudes que eu imagino que seriam adequadas, "as melhores"? Mas adequadas para quem? Como se o outro tivesse a obrigação de se comportar como eu me comportaria, sendo uma cópia fiel de mim mesmo. Em resumo, para quem não conhece esta figura mitológica: Narciso era um rapaz que só tinha olhos para ele mesmo. Imagine uma pessoa tão absurdamente ensimesmada a ponto de cegar-se para qualquer partícula que seja minimamente diferente dela mesma.
"É que Narciso acha feio o que não é espelho."
Caetano Veloso
Trabalhar as expectativas: um exercício diário
É um exercício diário nos conscientizarmos e lembrarmos que cada ser humano é único e que os outros tanto podem corresponder às nossas expectativas como frustrá-las (ou superá-las)! Não é minha pretensão aqui entrar no aspecto moral da coisa: começaríamos então uma discussão que avaliaria infinitamente o que é certo, o que é errado, o que é bom, o que é mal, o que é ser educado, o que é ser mal educado. A ideia aqui é reflexiva numa tentativa de compreender as nossas motivações ao fazer algo: eu faço o que faço pelas consequências ("vão achar legal", "meus pais disseram pra fazer isso", "disseram que é bom, então eu faço assim", "é bem visto fazer isso" etc.) ou porque eu realmente sinto que preciso fazê-lo e essa ação faz/traz sentido para a minha vida?
Aliás, quem em mim faz as escolhas? Um pai? Uma mãe? Um Narciso? Uma vítima? Um louco? Um sábio? Um herói? Um eterno adolescente? Um sádico? Uma criança abandonada? Uma mulher sedutora? Um carrasco interior? Um tio? Um severo juiz? Uma vó? Alguns juntos e misturados?
Entendo que um ótimo meio para entendermos a nós mesmos e tentarmos responder essas e outras perguntas é a psicoterapia, pois como pudemos ver, todos nós possuímos pontos cegos e faz bem (para nós e para os outros) ficarmos de olho neles!
Espero que esse texto contribua de alguma forma para a sua vida. Um abraço e até a próxima,
(Foto por Julio Ito)
Lindo texto, parabéns pelo trabalho! Me ajudou muito a compreender algumas caraminholas, rs! Vou compartilhar…
Fico feliz que tenha te ajudado e também pelo compartilhamento! Um abraço!
Perfeito!
Excelente texto
Muito bom. Valioso para nossa busca.gratidao 🙏🏻
Fico feliz que tenha gostado!
Que bom que gostou. Obrigado!
Thanks for your blog, nice to read. Do not stop.