– Você sabe bem quanto eu cuido destes meninos. Os meus filhos são a minha última vida.

– Não é assim que você os ajuda.

Não é segurando nas asas que se ajuda um pássaro a voar. O pássaro voa simplesmente porque o deixam ser pássaro. Foi assim que falou o Tio Aproximado.

Mia Couto, Antes de nascer o mundo

Frequentemente confunde-se o “carregar a/o filha/o no colo a todo momento para protegê-la/o deste mundo” com boa educação, orientação, proteção e acolhimento.

Nesta obra de Mia Couto, Silvestre Vitalício (possui feridas muito profundas, talvez seja necessário pontuar) é um pai excessivamente rígido, autoritário, extremamente repressor e “dono da verdade” que não permite que seus filhos façam nada além do que ele diz porque “é para o bem deles” (violência disfarçada de cuidado). A punição é dura e cruel até para aquele filho que questiona com perguntas (não no sentido de enfrentar o pai, mas apenas perguntar) as diretrizes paternas. Silvestre Vitalício espanca um de seus filhos por ter ido “além das fronteiras” permitidas na região, por querer conhecer mais além da minúscula vila de cinco habitantes que ele vivia, deixando-o em estado de quase morte.

Fico a pensar no excesso de cuidado: ele sufoca como se o sufocado fosse um pássaro dentro de uma gaiola. Esse excesso de cuidado pode ser manifestado por aquela/e que “faz tudo pela criança” ou também aquela/e que poda demais a criança (corta as asinhas do pássaro). Na realidade não há muita diferença: simbolicamente o “fazer tudo pela criança” torna-se também uma poda, pois devora as possibilidades de vida.

Para encerrar, faço uso de uma imagem citando Mia Couto: "Não é segurando nas asas que se ajuda um pássaro a voar. O pássaro voa simplesmente porque o deixam ser pássaro".

Espero que esse texto contribua de alguma forma para a sua vida. Um abraço e até a próxima,

Imagem de chiplanay por Pixabay