O Cuidador de Tristezas
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por Julio Ito
Psicólogo (CRP 06/130191)

Um dia me pediram para falar sobre a tristeza. Logo me ressabiei, pois senti que assunto assim não seria moleza.

Em seguida, senti a minha boca se enchendo de confiança começando a dizer que existem vários tipos de tristeza, pois disso eu conheço bem. Desde aquela mais fraquinha e borocochô - que quase, coitada, nem tristeza é - até aquela que parece que, de tão suntuosa, eternamente reinará.

Tem aquela tristeza que, com uma conversa com um amigo e uma bebida gelada, passa rapidinho.

Uma outra exige falação aos quatro cantos do mundo: contar e contar e contar pra todo mundo saber que ela está incomodando até ela ficar envergonhada e ir embora. Essa aí é como se tivéssemos que gastá-la igual borracha: até ficar só o pó.

Há ainda aquela que parece que não está lá, tipo chiclete colado embaixo de carteira escolar: de fora você não vê, mas vez ou outra sua mão ou seu joelho se esbarram nela, que estava quietinha lá. Tcharam! (No final, era melhor tê-la encontrado mesmo do que correr o risco dela fazer uma rebelião com outras que viriam a ser coladas junto dela).

Um tipo, à primeira vista mais chatinho, é aquela que exige que a gente faça igual a vaca faz enquanto saboreia seu pasto: hmmm hmmm hmmmm… *pára pra fazer alguma coisa*… hmmm hmmm hmmm… *pára pra fazer outra coisa*... *dorme*… hmmm… hmmmm hmm hmmmm…. *acorda* …hmmmm hmmm hmm… *pára pra fazer outra coisa*… hmmmm... hhmmm hmmmm…. *comemora (ou não comemora) a virada de ano*… hmmm hmm hmmmm… então depois de um tempo, você chega a se perguntar se ela vai simbora mesmo, se ela vai se transformar em alguma outra coisa ou seja lá o que vai acontecer. O que importa é que pra esse tipo, talvez o melhor seja aprender a conviver (vem de viver junto) da melhor maneira com ela. Já que ela vai ficar hospedada em nossa morada por sabe-se lá quanto tempo é melhor que seja boa companhia: faça um desenho do encontro de vocês, componha uma música dedicada a ela, tente moldá-la no barro, leve-a pra passear, sei lá... invente alguma coisa! Essa realmente é um mistério e pode se confundir com a que vem a seguir.

Engraçada mesmo (depois que já passou, of course) é aquela retrucona: você tenta ignorá-la e ela fica lá de braços cruzados batendo o pezinho até você dar atenção. Você tenta mudar de tática e esbraveja pra ela ir embora, mas a coisinha petulante lhe devolve: “Você acha mesmo que eu vou sair porque VOCÊ QUER? HAHAHAHAHAHAHA! EU VOU É FICAR O QUANTO EU ACHAR QUE EU TENHO DE FICAR!”.
É... Nesses casos, é melhor sentar e ouvir o que ela tem a contar. Tomar notas dessa conversa é saudável.

Até o momento foram poucos tipos de um mar de tristezas. 

Naquela ocasião, eu não tinha a pretensão de falar de todas as tristezas, pois meu tempo é limitado e eu precisava voltar pra casa (acho também que seria uma inflação de ego pressupor que eu conhecesse todos os tipos de tristeza).⠀⠀

Nesse dia, eu terminei minha fala dizendo que não importa qual seja a tristeza, mas que todas querem e precisam ser vistas. Olhar para a alegria é fácil, é prazeroso, és muy agradable. Mas se não fosse a injustamente rejeitada tristeza, duvido que saberíamos o que é a alegria.⠀

Nos bastidores:
Já com o tempo apertado, saindo do local, puxaram-me pelo braço e perguntaram-me a respeito do tempo: “Hey, quanto tempo elas duram?”. Como não possuo poderes metafísicos, respondi: “Olha meu senhor, meu tempo é limitado e o que posso dizer é que algumas tristezas também possuem um tempo limitado e outras quem sabe? O que consigo afirmar agora é que é melhor cuidar delas como cuidamos de qualquer outra coisa. Todo mundo gosta de cuidado e com elas não seria diferente. As tristezas ficam felizes quando cuidadas. E me dê licença agora, pois tenho algumas tristezas em casa me esperando pra jantar.”


*Permito a reprodução parcial ou total deste texto desde que os devidos créditos de autoria sejam atribuídos.

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JULIO ITO
Psicólogo (CRP 06/130191), psicoterapeuta junguiano, músico, facilitador de workshops, pesquisador e professor convidado do curso de Pós-graduação em Teoria e Prática Junguiana do Instituto Solaris (RJ).

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